sábado, 20 de dezembro de 2008

Travessa dos poetas de calçada


Esse é um texto de um grande amigo meu, e com sua autorização posto aqui. Abração Gabiroba!


Aos poucos, o sol fica mais intenso e eles saem das sombras, das cinzas, da poeira de asfalto. Do orvalho matinal que seca no calçamento de pedra portuguesa eles brotam do concreto fértil, pelas travessas, pelas ruelas que de abandonadas, começam a engolir gentes atraídas para seus recônditos, para seus prédios. À medida que o centro enche, eles nascem, montam suas estruturas em madeirite, em pequenas telas de exposição. Iniciam longas conversas, fumam pelos cantos marcando território, observam as pessoas chegando para o trabalho. São os poetas da calçada, trazendo todo o lirismo chinês, toda sorte de pequenos badulaques, cintos, roupas, bolsas, comidas. Estendem pedaços de lona no chão de pedras brancas encardidas por borracha de sola de sapato. Os passos que vão crescendo e se tornando incessantes após a alvorada vibram em seus peitos, em seus corações, em suas vozes. Bonés, camisetas regadas, anéis de aço, bigodes em rosto de pêlo raro.

Fumando na porta do prédio vizinho ao Theatro Municipal, acompanho um rapaz desenrolando sua lona azul, tirada de dentro de uma bolsa preta entulhada de produtos chineses de baixa qualidade. Monta uma estrutura sanfonada de finos pedaços de madeira, tira umas tabuinhas, alinha as mesmas sobre a estrutura. De dentro de sua bolsa revela ao mundo o lirismo que ele trouxe para o burocrata cansado se relaxar em casa, um massageador à pilha. Observo as caixas do produto, umas fotos de pessoas em roupa de academia, aquelas de lycra colada ao corpo, de pé, fazendo poses e sorrindo com o massageador na mão, aplicando em partes variadas do corpo. Fotos ocidentais, produto made in China, seguramente. Ele sequer termina a montagem, um gordão em cavanhaque e terno-e-gravata o aborda para experimentar aquela poesia concreta, de rua. Imagino-o, gordaço, sentado no sofá, em frente à TV, numa sala imunda de algum surbúrbio, vendo rede bobo, o ventilador de teto chacoalhando lentamente, o suor escorrendo farto de suas axilas e testa, a mão brilhante com o massageador deitado sobre sua pança, vibrando suas carnes, suas gorduras.

Não há como negar. É a pura poesia de calçada. Infelizmente o gordão não faria naquela noite um ritual bizarro de onanismo corporal com aquele consolo gigante. Achou caro ou algo do tipo, deixou o poeta de calçada barganhando ao vento, gritando preços especiais enquanto o
terno mal cortado partia apertado no corpo do gordão. Mas os gritos continuam cortando a rua, no meio do barulho de sapatos, de salto-altos que mulheres parecem andar como cavalo recém-ferrado, de gentes pensando alto, conversando, absortas por algo místico do mundo. A multidão beira o infinito, incessante, perene.

Do outro lado, um rapaz termina de montar a exposição de um catálogo de DVDs. Mais da metade dele com a poética de falos gigantes em traseiros e bucetas de loirinhas que parecem ter quinze anos. Negros com pirocas de jegues, estourando as bucetinhas oxigenadas de mulheres
fazendo cara de prazer enquanto lágrimas correm por seus rostos. 'O melhor do anal', 'brasileirinhas', etc, etc. Vezenquando uns gatos pingados param numa postura pensativa como a daqueles que param na banca de jornal vizinha para ler as notícias nos jornais expostos nas laterais. Rapazes lavam o chão encardido com um limpa tudo, os círculos alvos pelo calçamento comprovando a eficácia de uma química que destrói suas mãos já há muito calejadas. Quando desço, depois das 18h, todos já se recolheram à sombras.

*A travessa dos poetas de calçada é uma fenda no meio de prédios
gigantescos na treze de maio, cinelândia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom!
Descrição fera, bem direto, dá até para ver as cenas claramente...