terça-feira, 29 de setembro de 2009

Discotecando


Ao som pesado dos Stones (Let It Bleed) começo o primeiro, do que eu espero ser muitos, da série intitulada “Discotecando”. A idéia é sentar e discotecar para mim mesmo, escolher algumas músicas e documentar. Pretendo simplesmente me divertir ouvindo música e, como gosto de conversar sobre as músicas que estou ouvindo, começar um bate papo com você que me lê. Ah sim, aceito sugestões!

Bem, o fim de “let it bleed” não saciou minha cede de Stones, então continuo com eles com a música “sympaty for the devil”. A música é muito boa, me lembro da primeira vez que ouvi. Era mais tarde do que ela merecia, não me lembro exatamente do ano, mas já estava na faculdade. Ela é uma dessas músicas que quando você começa a ouvir você tem que continuar ouvindo até acabar, e na primeira vez, ela te deixa pensando sobre ela por alguns minutos, é aquela música que não acaba quando sua última nota é tocada.

Os Stones me lembra muito o country americano, aquele com uma forte influencia do blues. Por isso continuo nesse estilo country-blues e coloco uma do Creedence Clearwater Revival (fortunate son). Olha, escolher uma do CCR é sempre muito difícil, os caras tinham as manhas de fazer hits, porque eu acho que todas as músicas deles são hits, e é uma daquelas bandas que é difícil encontrar quem não goste.

Agora, no blues nacional, vou com “dente de ouro” do Blues Etílicos. Acho fenomenal o que os brasileiros conseguem fazer com o ritmo internacional, e como a mistura fica excelente. Nessa música o berimbau faz toda a diferença. Sem ele a música não teria a riqueza que tem, não teria o seu charme.

Continuando em terras Tupiniquins, damos de cara com “blues do elevador” do Zeca Baleiro. Essa música é muito boa, particularmente a letra. A riqueza da música está em versos inteligentes, como “as pombas podem voar alto, mas insistem em catar as migalhas no chão”, bem encadeados e num ritmo muito gostoso.

E num pequeno salto escolho “réu confesso” do Tim. Nem sei direito o que falar sobre essa música, nem sobre o cara. Mas é isso aí, muitas músicas a gente não precisa comentar, é só para e ouvir. Um beijo e até a próxima!

sábado, 26 de setembro de 2009

Uma quinta qualquer



Eram 20h de uma quinta-feira de setembro, a noite estava quente, o mercado central estava lotado. Ele estava entre muitos outros pendurado no balcão e grita:

- Traz outra aí irmão!

Termina seu copo em dois goles sedentos enquanto espera aproxima. O mercado é um lugar bem interessante, tem muita raça de gente. Tem o cara que trabalhou o dia inteiro e está ali para dar uma relaxada antes de ir para casa, o bêbado que ficou o dia inteiro alugando os fregueses e entornando, o estudante que acabou de sair da aula, as belas moças do tambor de crioula, o traficante fazendo a sua “correria” e também as mulheres fáceis. Uma em especial me chama a atenção, seu perfume barato se mistura com o cheiro de camarão seco e cerveja choca derramada no chão. Seus olhos passeiam pelos rostos dos homens que estão ali, ela quer companhia e provavelmente acabará na cama de alguém. Sua idade aproximada deve ser de uns cinqüenta anos, ela não parece ser muito seletiva, mas ainda tem um certo critério. Ela olha para ele, isso o leva a pensar “É minha amiga... ainda falta muita cerva..” isso faz com que ele dê uma risada discreta, ela percebe, mas não compreende o real significado. Ele deixa para lá, dá uma longa golada em sua cerva e mergulha em outros pensamentos.

Outro dia havia sentado para comer um cachorro quente com um amigo e apareceu um cara que conhecia o amigo. Começaram a conversar e logo o cara começou a falar de Deus. Ele pensou “putz... lá vamos nós de novo”. Para o figura Deus era o caminho, um guia que tinha todas as respostas. O cara realmente acreditava que Deus tinha falado com ele e o que disse foi:

- É figura é isso aí...

Essa era a prova que o sujeito tinha de que Deus existe. Para ele o cara era só mais um maluco entre tantos em São Luís, perdido em pensamentos confusos que levavam a certezas inconsistentes. Mas um ponto em particular na argumentação do figura o incomodava mais que outros, por que ele precisava provar que Deus existe? A religiosidade não é construída com base em provas, mas da fé pura e simples. Ou você acredita ou não. Na ciência sim é preciso procurar evidências que corroborem uma hipótese. Deus não tem que ser comprovado pela ciência e a falta de evidência científica de que ele exista não prova que ele não exista. É prudente dar a ele o benefício da dúvida... pensando nisso ele olha ao seu redor, o mercado já está bem vazio, o irmão está fechando, é hora de partir. Olha uma imagem de cristo na parede do bar, joga um pouco de cerveja no chão e levanta o copo em direção a ele num brinde e sinal de respeito , larga o copo no balcão e deixa a feira para trás.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009


Era um sábado à noite, eu estava em minha casa bebendo uma boa e velha cerveja com uns amigos e ouvindo uma boa música. A noite foi seguindo, as músicas tocando e os amigos acabaram indo embora. No final ficamos eu e o blues sofrido do Big Walter. Com certo nível de álcool no sangue, ao som dessa música maravilhosa eu estava no terreiro nos fundos da casa onde moro olhando para a lua e comecei a pensar... Ela está sempre linda, me acompanhando onde quer que eu vá. Sempre a olhar por mim, ela meche comigo e não há nada que se possa fazer. Eu Tenho 25 anos, não tenho muito dinheiro no bolso, mas me considero um homem simples e razoável. Trabalho fazendo aquilo que gosto. Nunca ficarei rico, mas a felicidade é para pouca gente.. minha paixão pela vida que resiste nesse planeta não tem fim. Eu não tenho respostas.. e Vamos combinar, se Deus existe ele tem muito mais o que fazer do que ficar olhando por mim. Tem gente muito mais interessante e carente do que eu nesse mundo, apesar de eu adorar a minha vida.

Moro em uma cidade brasileira cuja cultura está enraizada na alma das pessoas desse estado. As pessoas aqui tem orgulho de sua negritude, não são guiadas por uma estética narcisista de culto ao corpo. A beleza aqui está nas raízes. Em manifestações culturais como um tambor de crioula onde é possível ver meninas lindas e novas dançando ao lado de lindas senhoras. Nessa terra o idoso é saudável, brinca dança e bebe cachaça. Não estou idealizando o povo. Essa é uma cidade super violenta, mas como diria Lenine:” nós temos violência e perversão mas temos o talento e a invenção desejos de beleza em profusão idéias na cabeça, coração, a singeleza e a sofisticação o choro, a bossa o samba e o violão“. É assim em São Luis.

Em meu caminho sempre aparecem pessoas interessantes e uma delas é um camarada que mora comigo, um capoeira de cerca de 48 anos, que bebe uma boa e velha cerveja e tem muito o que ensinar para um cara como eu.. talvez, o destino de um sujeito esteja em seu espírito que não lhe dá sossego até que os fins sejam alcançados e por isso ele anda, vai onde tem que ir. É muito bom conhecer as pessoas cujos caminhos acabam cruzando com os seus. Talvez uma pessoa deva passar por essa vida e ter algumas sensações plenas. Uma delas seria amar incondicionalmente com toda a força que seja possível amar alguém. Uma outra que consigo pensar no momento é ouvir um blues na tranqüilidade de um lar em uma cidade que lhe acolheu e ter reflexões que um careta nunca entenderia ou conseguiria alcançar, é uma sensação única, sublime, de paz, solidão e um forte sentimento de identidade por que sabemos que não estamos tão sozinhos nesse mundo e somos totalmente livres.

Liberdade é uma palavra simples, mas a compreensão de seu significado pode ser complicada para alguns que quando vêem alguém livre se assustam e nos fuzilam com preconceitos por não conseguirem entender alguém de espírito livre. Essa seria a hora de terminar esse texto com uma idéia inteligente e chamativa, mas não é o caso por isso me resumo a um breve até logo e que os nossos caminhos se cruzem...

sábado, 5 de setembro de 2009



Cássio acorda com uma gargalhada alta que ecoa do corredor para dentro de seu quarto. A cama ao seu lado está vazia.
“Julho já acordou, provavelmente está babando na fila do café”.

Olha pela janela gradeada e vê o sol brilhando num céu azul imponente, levanta e se volta mais uma vez para a janela, agora vê o pátio de entrada, a grama está verde e molhada.

“Talvez uma das maiores preocupações da administração do local, a grama verde na época da seca dá uma idéia de zelo para os nossos parentes. E não adianta tentar mudar a idéia deles, a grama verde é uma prova muito mais confiável do que as palavras de um louco”.

Cássio já estava acostumado com a rotina, mas não havia desistido de sair do sanatório. Tentava se parecer o mais normal possível, mas a doutora Carla insistia em mantê-lo lá durante meses cada vez mais cumpridos.

Um enfermeiro, magro, baixo, sempre com uma barba por fazer, entra no quarto e se dirige ao Cássio.

-Dormiu bem, Cássio?

-Sim, obrigado. – Cássio gostava do enfermeiro Lucas, era o único que nunca perdia a paciência com os pacientes, nem mesmo com os mais difíceis.

-Vamos, está na hora do desjejum e dos remédios. Julho está na fila e está insistindo para que alguém te chamasse.

Julho se afeiçoara ao seu companheiro de quarto, Cássio costumava dar atenção aos seus devaneios em conversas que costumavam durar horas. Na verdade Cássio descobrira o quão fascinantes as idéias daquele lunático podiam ser se alguém prestasse atenção nelas. A doutora Carla já o havia censurado por incentivar as “alucinações” de Julho! Cássio às vezes pensava ser esse o motivo principal para ainda estar naquele prédio para loucos.

Ele compreendia que a doutora o havia ajudado muito, a situação em que se encontrava quando entrou era dramática. Sua mulher e filhos nem vinham visitá-lo no começo, depois de um tempo sua mulher vinha sozinha e há pouco tempo trazia seus dois filhos. Era tão bom vê-los, e tão doloroso não poder voltar para casa com eles no final da visita, talvez devesse diminuir as conversas com Julho.

Cássio se encaminha para o refeitório e lá está Julho, ansioso, mudando o peso de seu grande corpo de uma perna para a outra. Julho, ao ver seu grande amigo, acena rapidamente mostrando o lugar à sua frente.

-Guardei o lugar na minha frente para você, as maçãs podem acabar! – no fim, Cássio sempre dava sua maçã a Julho, que sempre recusava de primeira, mas depois de um tempo, ao ver a maçã parada na bandeja, sempre a pegava e saía correndo para frente da TV, em outro cômodo.
-Muito obrigado Julho.
-Dormiu bem, Cá?
-Dormi sim, aqueles comprimidos que me dão antes de dormir me derrubam!
-É porque eles não querem que a gente sonhe!
-E por que eles não querem isso? – Perguntou Cássio, sendo lembrado porque era tão difícil não
conversar com aquele maranhense lunático. Cássio sabia que Julho já havia sido um homem muito bem sucedido, dono de uma empresa de softwares. Já disseram a ele que Julho fora um grande gênio, criara softwares geniais, mas que de alguma forma perdera a empresa. Foi aí que as coisas ficaram ruins. Seu nome não é Julho, mas ele insisti em ser chamado assim!
-Porque nossos sonhos nos mostram a verdade!
-Verdade sobre o que?
-Sobre tudo! Sobre a grama lá fora, sobre as maçãs, sobre a chuva ou a falta dela! Sobre nossos filhos e nossas mulheres, sobre o que é certo e sobre o que está torto. Explica o porquê da vida, do mundo, do nada, de tudo!
-Você sonha, Julho?
-Sonhava, é por isso que estou aqui, é para reconquistar meus sonhos, eu parei de ver a verdade!
-Você acha que a doutora Carla sonha?

Julho pensa por alguns segundos, depois responde:

-Ela te ajudou?
-Sim...
-Então deve sonhar.
-Mas se ela quer nos ajudar, então por que não quer que eu sonhe?
-Você não deve estar preparado para a verdade. Mas acho que se você se esforçar você vai conseguir sonhar, ou até mesmo lembrar o que você deveria ter sonhado essa noite.

Cássio começou a pensar sobre a importância dos sonhos, e que já lera que apesar de ninguém saber exatamente para que servem os sonhos, eles são muito importantes para a saúde mental. De certa forma Julho poderia ter razão. Começou a tentar lembrar do seu sonho daquela noite.

A fila começou a andar, Julho ficou entusiasmado, Cássio foi andando seguindo o ritmo da pessoa a sua frente, foi servido de um mingau fedido e fumegante e quando estava preste a pegar sua maçã a memória do seu sonho reapareceu de uma vez. Um turbilhão de imagens esmurraram seu cérebro e no fim, uma voz rouca, num grito, lhe falara:

-Ainda falta muito!

Cássio solta uma gargalhada assustadora, joga o mingau na cabeça da pessoa à sua frente, segura sua maçã com a boca e sai correndo em direção à janela gradeada. Num grito abafado pela maçã começa a esmurrar as grades.

Julho se vira para o pobre homem queimado pelo mingau e diz:

-Desculpe ele, ele não estava preparado...