quinta-feira, 29 de abril de 2010

Estrela da Manhã


Estávamos todos mortos, a Estrela da Manhã aparece diante de nossos olhos com suas asas e corpo descomunal em chamas que refletiam a ira de seu espírito. Estávamos condenados... Ao menos era o que parecia. Mas antes do fim ele nos manda em uma missão, deveríamos ajudar umas pessoas. Ao chegarmos no local o prédio estava em chamas, as pessoas apavoradas. Logo que chegamos vimos pessoas tentando sair por uma janela, corremos para ajudar, tentei tirar uma criança negra, fraca e aparentemente não muito saudável, era tão pequena e disforme que nem parecia humana. Alguns outros condenados olhavam-me com certa repulsa. Outros começaram a ajudar. Corri para a porta de entrada do prédio, as chamas no interior do edifício eram intensas, em seu interior dei de cara com dois assassinos. Seus rostos eram pálidos, não tinha certeza se estavam mortos ou vivos, mas tinha que ajudá-los a achar a saída. Eles me olhavam com arrogância e sorriam como se tivessem o conhecimento de uma verdade por mim desconhecida. Não podia perder tempo, o prédio tinha muita gente, mostrei-lhes a saída e prossegui. Mais adiante encontrei duas pessoas tentando se ajudar, elas estavam feridas, não sabia se havia sido os assassinos. Tentei carregar o mais ferido e incentivei o outro para que continuasse andando, em breve estaríamos fora daquele inferno.

Quando sai do prédio, em um piscar de olhos fui levado para uma mata. Estava diante de um rio cujo nível da água aumentava de maneira sobrenatural. Havia uma ponte e uma família no meio, um homem, sua esposa e filha, uma linda mulher de cabelos ruivos. Eles pareciam acuados, fugindo de algo. Eu gritei:

- Saiam daí! O rio está enchendo rápido demais e a correnteza vai levá-los!

O terror em seus olhos revelou que eles tinham medo de mim, me olhavam como se tivessem visto um demônio. Tentei persuadi-los de toda forma para confiarem em mim, nunca os faria mal e eles estavam prestes a morrer. O pai foi o primeiro a ser levado pela correnteza, não pude fazer nada. Olhei nos olhos das duas mulheres e pedi para que confiassem em mim, elas foram levadas. Corri na direção delas e gritei para segurarem em uma árvore pensa na direção do rio. E assim elas fizeram. Tirei primeiro a mãe da água que estava mais próxima da margem, ao colocá-la em segurança corri para a filha. Elas estava exausta e sem dúvida era a criatura mais bela que já tinha visto, sua pele era macia...

Acordei no susto com o vento de uma manhã fria. Sonho louco... Comecei a pensar sobre o sonho, estava muito claro na memória. Estranho, se estávamos condenados por que estávamos ajudando aquelas pessoas? A família na ponte parecia estar em uma espécie de purgatório, mas por que eu era um demônio? E se era por que logo um demônio os salvaria? Não sei... O Diabo também já foi um anjo, e o mais belo e amado por Deus. As pessoas dizem que Deus age de formas misteriosas, talvez o Anjo caído também. Quem somos nós para julgar?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Um Vinho, Idéias e Canções


Uma garrafa de vinho na mão, o calor, as ruas escuras e molhadas, o som dos tambores. A cidade é interessante, é bom fazer parte dela mesmo que temporariamente. As pessoas, suas histórias, cultura... poderia ficar horas ouvindo. Eu tenho saudades daqui. Essa ilha me deixa dividido. Também sinto saudade do meu interior seco e de suas ruas calmas e largas, meus amigos, minha música.. Estou condenado a sentir saudade para sempre. Talvez seja só o vinho falando. É muito bom não ter ninguém dependendo de você, ninguém te esperando, ser mais um cara sem pódio de chegada ou beijo de namorada, não ter que voltar. Minha solidão é diferente da dos Buendia, é libertadora. Já vi muitos lugares, conheci histórias, e às vezes é tão bom fazer coisas simples como ir ao mercado em uma quarta feira à tarde. Sou feliz aqui. Quantas estradas deve um homem andar antes de ser considerado homem? Tenho tantos sentimentos, será que tem algum que serve? Não tenho nada. Quando você não tem nada, o que tem a perder? Será que liberdade é só mais uma palavra para quem não tem nada a perder? Muitas músicas, muitas perguntas e nem uma resposta. Acho que é o vinho de novo.

O tempo tem me mostrado que tenho bons amigos, são poucos e bem valiosos. Amigos são mais importantes que amantes. A dinâmica da relação é interessante, somos fieis uns ao outros, sempre que podemos estamos juntos e se não der não deu. Somos simples. Por mais que os tempos estejam mudando os bons permanecem. Não temos horário. Se quisermos estar juntos estaremos. Somos como um bando de cachorros vira lata, precisamos de companhia, socializar é fundamental e fazemos isso sem regras ou protocolos, só fazemos, é natural. Não gostamos de superficialidades, regras de conduta tolas, boa educação pomposa. Tem coisas que a grana não compra, nossa estima por exemplo. Ou você tem ou não. Nosso mundo tem um modo próprio de funcionar, se você entende acaba se tornando um de nós se não azar o seu. A liberdade está em nossa carne. Entendemos o real significado da palavra e não tiramos a liberdade de ninguém. Nunca. Se quiser companhia até se sentir melhor pode sentar-se ao meu lado e ficar o quanto quiser e depois partir.

Mais um gole, a cidade está lotada. No Rio de Janeiro pessoas foram detidas por mijar na rua, vejo na TV um velho reclamando que as pessoas mijam na rua. Tá bom, você nunca fez isso não é coroa? Hipócrita. A polícia realmente não tem mais o que fazer no carnaval? Ridículo. Vamos pedir piedade. Para essas sementes mal plantadas com cara de aborto, que não mudam quando é lua cheia. Para quem não sabe amar... Senhor dê-lhes grandeza e um pouco de coragem. Para as pessoas fracas que estão nesse mundo e perderam a viagem só mesmo um blues da piedade em pleno carnaval. Às vezes penso que falta em algumas pessoas a consistência que vejo nas canções. Pais que cantem Hei Jude para seus filhos dormirem, que contem histórias, que escutem suas crianças. Faltam pessoas que ouçam as outras, procurem entender seus dramas. Falta um presidente que não faça piada com o meio ambiente, que demonstre um pouco mais de respeito por aquilo que ele não compreende. Ignorância não é crime contanto que não seja propagada. E o prejuízo vai ser pago pela gente toda, é foda. Outro gole, esse vinho é bom mesmo. Agora ele está ótimo, amanhã é uma outra história... e que venha a segunda feira de carnaval.

Muito tempo


Sentado na cama, olhando pela janela do quarto, com o sol batendo intensamente no meu rosto e só consigo pensar no monte de coisas que eu tenho que fazer, nas outras tantas que eu posso fazer e nada disso me anima a levantar da cama.

Olho para o relógio e nele vejo somente uma contagem regressiva para um fim. Para o dia que meus pulmões deixarão o ar escapar de uma vez por todas, para o dia que meu coração resolver parar de bater e resolver apanhar.

As pessoas que posso encontrar mudaram muito, mas continuam sendo as mesmas... E dentre minhas opções de diversão, são todas as mesmas coisas...

Estou cansado e isso sem estar muito velho, sinto o peso dos anos que ainda estão por vir. Envelhecer está me aborrecendo. Tantas coisas por fazer, tanto o que crescer e eu só quero deitar e esperar o sol se pôr.

O trabalho que eu fazia com tanto afinco e qualidade hoje se acumula na minha mesa, cobrando incessantemente minha atenção, mas a paciência me falta, assim como o fôlego. Não aguento lidar com as pessoas de lá. Será que ninguém percebe que de nada valerá o nosso esforço? Que no fim, cresce quem sabe mentir e enganar. Quem trabalha fica para trás acumulando poeira e rugas de preocupação, isso na melhor das hipóteses, o desemprego pode estar no próximo contra-cheque.

Vivo na expectativa do fim do expediente, louco para ir para casa mofar e gastar os muitos anos dessa mesma rotina entediante. A tevevisão me emburrece a cada programação e os livros só me trazem conhecimento inútil.

O que me sobra é a melancolia dos bons e velhos blues e Rock'n'Roll.

Time
(Mason, Waters, Wright, Gilmour) 7:06

Ticking away the moments that make up a dull day
You fritter and waste the hours in an offhand way.
Kicking around on a piece of ground in your home town
Waiting for someone or something to show you the way.

Tired of lying in the sunshine staying home to watch the rain.
You are young and life is long and there is time to kill today.
And then one day you find ten years have got behind you.
No one told you when to run, you missed the starting gun.

So you run and you run to catch up with the sun but it's sinking
Racing around to come up behind you again.
The sun is the same in a relative way but you're older,
Shorter of breath and one day closer to death.

Every year is getting shorter never seem to find the time.
Plans that either come to naught or half a page of scribbled lines
Hanging on in quiet desperation is the English way
The time is gone, the song is over,
Thought I'd something more to say.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Fim do mundo


Sentado no chão do grande descampado, olhando para o ponto brilhante cada vez maior no céu, minha face possui as marcas de lágrimas já secas, mas agora me encontro sereno.

Olho para os lados e vejo a reação de todas as pessoas em volta. A aproximação do fim traz a tona inúmeras reações diferentes...

Uns estão chorando copiosamente como eu tinha chorado alguns minutos atrás, outros estão abraçados com seus entes queridos como eu gostaria de estar, casais (alguns com seus filhos, outros fazendo amor, alguns só fazendo sexo mesmo). Tem ainda alguns que estão se drogando fortemente, todos os tipo de drogas: álcool, maconha, cocaína, heroína, crack, merla... Tem uns que estão completamente desligados, com seus olhos fechados meditando, ou rezando, ou orando, ou só se acalmando mesmo.

Tem uns que estão a gargalhar desesperadamente, esses fazem que eu solte umas poucas gargalhadas, afinal de contas tudo foi em vão, mas nem por isso deixou de valer a pena.

Brigas estão acontecendo, acho difícil imaginar o motivo, faz parte da nossa natureza... Mas as desculpas estão acontecendo com muito mais freqüência. Como se o fim fosse a desculpa que todos precisavam para perdoar e pedir perdão.

Olho para o céu mais uma vez e o ponto agora é uma bola enorme! O calor está aumentando progressivamente. Pego um punhado de terra e grama com minhas mãos, ação sem motivação, como um ato reflexo. Não quero parar para pensar muito. Não quero me lembrar dos meus erros, nem do futuro não vivido. Tento limpar a mente mas não consigo, de repente um turbilhão de pensamentos invadem minha mente, chega a doer...

Só encontro alívio quando lembro que todos esses políticos safados vão morrer!

sábado, 10 de abril de 2010

Mudanças


O inverno é rigoroso, neva bastante e as tempestades não dão trégua. A vida sobrevive como pode. Os animais estão magros, muitas plantas congelando. Não existe conceito de bem ou mal, isso é uma tolice humana. Nesse cenário não há autopiedade, depressão. Os seres foram moldados por condições ambientais e pelo tempo, muitos não conseguem sobreviver. Aqui o fracasso de um pode garantir a permanência de outros. Deus não existe, se existe é apenas mais um expectador do qual suas criações não tem conhecimento algum. A vida flui sem luxos ou patologias derivadas da complexidade humana.

Ele caminha pela tempestade, ele está sozinho. Está velho, sua força não é mais a mesma. Suas juntas doem, o frio é intenso demais. O inverno o maltratou mais esse ano, é possível ver suas costelas protuberantes, procurar alimento nessas circunstâncias é difícil. Caminha por horas na nevasca sem encontrar alimento nem abrigo até que encontra um buraco nas montanhas. Descansa por duas horas, um sono profundo. Quando a tempestade passa a fadiga ainda é visível em seu corpo, mas ele continua andando; precisa comer, está fraco demais. Na China antiga eram respeitados, vistos como filhos do céu e protetores da mãe terra. Muitos povos do mundo já respeitaram sua estirpe. Esse tempo antigo se foi, além de sofrerem com o rigor do inverno são perseguidos e assassinados com brutalidade. Isso não importa, eles nem têm consciência disso, é apenas mais uma ameaça a ser enfrentada.

Ao longe ele vê um par de olhos surgirem atrás de uma montanha, não é uma presa, mas um velho companheiro. Compartilharam caçadas, comida, abrigo. Hoje caminham sozinhos. Um dia tiveram um núcleo familiar, uma terra para proteger, irmãos de sangue, irmãos adotados. O olhar demora alguns segundos, é o suficiente para se reconhecerem. Eles desviam o olhar e voltam a seguir seus caminhos sumindo na neve. O tempo passa, as coisas mudam. Se para melhor ou pior não lhes cabe dizer, afinal são apenas dois lobos velhos e esses são conceitos humanos. Eles lidam com a realidade e não com abstrações humanas.