sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O homem que não estava lá


São seis e cinqüenta da manhã, as pessoas estão chegando para a missa de um Domingo chuvoso de novembro. Fuleiro está ao meu lado, ele nunca sai do meu lado. É mesmo um companheiro fiel com seus 10 anos de idade, pelo preto esfarrapado, algumas sarnas, rabo sempre abanando e algumas histórias ao meu lado. O padre é um homem interessante, sou capaz de passar horas conversando com aquele homem de setenta e um anos de idade. Sempre é muito gentil comigo e com Fuleiro. Vemos todo tipo de gente passar por aquela porta, de cabeça baixa fazendo o sinal da cruz em sinal de profunda devoção. As pessoas são intrigantes com sua demonstração de fé, as beatas vêm a igreja quase todos os dias, fazem suas doações todos os domingos e rezam o terço ao menos uma vez por dia. É impressionante como muita são incapazes de demonstrar qualquer sinal de compaixão. Para elas nunca pedi nada, mas o Fuleiro é incansável e eu admiro isso nele. Certa vez meu amigo canídeo foi todo contente com seu rabo abanando na direção de dona Zilda, uma beata ortodoxa que deu um chute na anca de meu amigo que ficou mancando por três dias. Olhei bem em seus olhos tristonhos e disse: “é a vida meu velho..”

As pessoas continuam chegando e começam a tocar as sete badaladas do sino e logo vejo duas crianças chegando, são os irmãos Carlos e Davi. Estão meio atrasados para a missa já que são os coroinhas. São crianças educadas, uma das poucas pessoas que ao entrar na igreja me olham nos olhos, desejam bom dia e às vezes trazem algo para o Fuleiro comer. O Fuleiro os adora. É uma pena que os adultos não sejam tão cristãos quanto esses garotos. Na porta da igreja quem os espera é Ulisses, professor de catecismo e está com cara de poucos amigos. Homem muito severo que está sempre a gritar com os meninos, não sei que tipo de coisa um cara desse pode ensina para esses garotos. Confesso que temo por eles...

Logo vejo aparecer na esquina a passos apressados Paulo. Hoje ele veio com Carla, ele aparece a cada domingo com uma mulher diferente. Algumas vezes vem sozinho, é claro. Usa sapatos finos, perfume caro e está sempre bem acompanhado. Tem um olhar arrogante e é uma das poucas pessoas que não baixa a cabeça em frente ao altar ao entrar na igreja e fazer o sinal da cruz. Deve ser alguma “autoridade”. Acho que o padre gosta de conversar comigo porque eu conheço todos os seus fiéis, eu os conheço de verdade. Fazem sete anos que eu e Fuleiro habitamos as ruas próximas à igreja e aos domingos pedimos esmola. Com o tempo você acaba conhecendo as pessoas e elas te mostram um lado não muito bom de se conhecer. São sete e vinte da manhã, eu não me sinto muito bem... sinto um aperto em meu coração e não é saudade, me deito no chão, Fuleiro sabe que não estou bem. Ele me conhece. Vem até mim, lambe meu rosto e digo para ele: “fique tranqüilo velho amigo você vai ficar bem, o padre cuidará de você”. Fecho meus olhos e um trecho de um livro de Bukowski que li há muitos anos me vem à mente “Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte. Não reverenciam as suas próprias vidas, mijam em suas vidas. As pessoas as cagam. Idiotas fodidos. Concentram-se demais em foder, cinema, dinheiro, família, foder. Suas mentes estão cheias de algodão. Engolem Deus sem pensar, engolem o pais sem pensar. Esquecem logo como pensar, deixam que os outros pensem por elas. Seus cérebros estão entupidos de algodão...” Bukowski pode estar certo, mas pessoas como aquele padre e aquelas crianças ainda me fazem ter um pouco de fé em nossos semelhantes. Fique em paz velho amigo...

Um comentário:

Pronome Indefinido disse...

o mendigo culto. Muito bom...