segunda-feira, 19 de julho de 2010

Uma Manhã Fria


Era uma manhã fria, quase tão fria quanto sua decisão. O tempo estava fechado. Não chovia, tanto ele quanto o tempo já haviam chovido demais por aquelas bandas, agora ia chover em outro lugar. Ele chega na rodoviária carregando uma mochila e um case onde está a sua viola. Um olhar perdido, porém determinado passeia pelos inúmeros nomes de cidades. Não decidindo para onde ir, ele resolve tentar a sorte. Aproxima-se de um guichê e fala com uma senhora de meia idade:

— Qual é o próximo a partir?

— Para qual cidade senhor?

— Qualquer uma, precisa ser o próximo a sair.

— bem, tem um ônibus que sairia agora para Uberlândia, mas vai demorar uns trinta minutos por causa do alagamento que aconteceu ali na saída.

Ele aceita, compra a passagem e vai em direção à plataforma de saída do ônibus. No caminho esbarra em um senhor. O velho, que devia ter uns setenta anos, era negro, usava um chapéu típico de homem simples do interior, possuía uma longa barba branca, um velho case com um grande arranhão em sua lateral onde provavelmente carregava um violão e um olhar de quem já havia visto muita coisa na vida. Ao se esbarrarem o velho deixa cair algumas letras de música. Ele consegue ver algumas letras e uma em um papel amarelado lhe chama a atenção, ele consegue apenas ver o titulo: “Manhã Fria”. Quando volta o seu olhar para o velho percebe que o senhor estava a olhá-lo com certa curiosidade.

— Um café pela letra da música que está vendo no chão.

Surpreso pela proposta e envergonhado por ser a causa do acidente começa a recolher as folhas caídas no chão e demora a responder.

— Não me importo com a negativa, mas gostaria muito de uma resposta, o tempo é curto e a estrada é cumprida.

— Me desculpe senhor, estou meio aério esta manhã. Claro que aceito a proposta, tenho que esperar ainda meia hora para partir, uma boa prosa será muito bem vinda.

— Que bom, pode ficar com a letra que escolher.

— Vou ficar com essa mesmo, “Manhã Fria”. Agora me deixe pagar minha parte.

— Boa escolha, eu, no seu lugar, escolheria essa também.

Os dois homens vão andando em direção ao café sujo da rodoviária, sentam-se no balcão grudento e pedem um café cada um.

— Diga, meu jovem, para onde está indo? Se não for muito abuso de intimidade da minha parte.

— Uberlândia, e o senhor?

— Ahhh, eu estou chegando, mais uma chegada antes da última partida. É bom estar em casa depois de tanto tempo. Muito mudou, mas os olhos, de vez em quando, conseguem ver o passado.

Sem compreender muito bem o que o velho dizia, respirou fundo e mergulhou em seus pensamentos. A vida que deixava para traz, aqueles lindos olhos castanhos, seu emprego. Ele sabia que não ia ser fácil, mas afinal o que tinha sido fácil em sua vida até agora? Estava abrindo mão de uma vida certa por uma incerta. Isso era assustador, mas ele tinha que admitir, a sensação era muito boa pois uma série de possibilidades se abriam diante de seus olhos. Nesse momento o homem deixa transparecer um sorriso e o velho que o observava bate em seu ombro e diz:

— É uma sensação magnífica, não é?

O jovem olha com interesse para aquele senhor com quem conversava. Ele lhe parecia familiar. Olha bem no fundo dos olhos do velho e pensa “devo estar ficando louco, preciso é de uma cachaça e de um blues, não de um café”.

Como que lendo sua mente o velho pede duas doses de cachaça e diz com um sorriso estranho para o rapaz.

— Não se assuste, um dia você vai entender muito do que vem acontecendo com você nessa cidade, inclusive esse nosso encontro. A vida é dura garoto, e deixar um amor antigo é bem difícil, mas geralmente acabamos bem.

Então o velho pega a cachaça que lhe foi servida e mata em um único gole. O mais novo repete o gesto do velho, mas acaba fazendo uma careta, pela falta de costume de beber cachaça vagabunda pura.

— Em Uberlândia as cachaças são melhores. E se você quiser beber cachaças boas, fique um tempo em Minas Gerais - e dando uma piscada para o garoto - além do mais, as mulheres mineiras são especiais.

— Não quero pensar em mulheres no momento...

— Mas isso vai mudar, esse tipo de sentimento não dura tanto, já caminhei com seus sapatos filho.

O velho levanta as mãos sinalizando para a atendente trazer mais duas doses.

— Vamos brindar. Ao mistério das mulheres, que nunca desistamos de tentar desvendar e que nunca consigamos.

— Saúde.

Ambos viram seus copos. O velho olha para o relógio e pergunta:

— Que horas é sua partida?

— Daqui a 10 minutos... Um último conselho?

— Nunca abandone duas coisas: o blues e a estrada.

O velho puxa uma carteira de cigarro do bolso de sua camisa envelhecida pelo tempo, retira um cigarro, ascende e dá uma profunda tragada soltando a fumaça pelo nariz.

— Boa sorte filho, não que você vá precisar dela.

Ao falar a fumaça sai por sua boca e narinas trazendo à memória do jovem a imagem de um preto velho. Ele paga a conta, aperta a mão do velho e caminha em direção ao local de embarque carregando sua mochila, um case e uma canção. Ao subir no ônibus esbarra na porta que causa um grande arranhão no case de seu instrumento, o motorista grita:

— Acorda garoto! Não vai querer me dar prejuizo logo no começo da viagem.

— Desculpe senhor, estava destraido.

Ao entrar no ônibus guarda seu instrumento, se acomoda, pega um papel e começa a escrever uma canção. Letra e melodia são pensadas simultaneamente, como se já estivessem lá, no fundo de sua mente. Ao terminar começa a pensar em um titulo. Olha a paisagem, sente o sossego da estrada e decide dar uma olhada na canção do velho. Pega o papel amarelado pelo tempo, começa a ler. Fica branco ao reconhecer sua letra e as palavras que acabara de escrever só que em uma folha de papel envelhecida e com o titulo: “Uma Manhã Fria”.




Texto escrito em parceria por Pronome Indefinido e João Paulo

Um comentário:

Lobão disse...

Caralho, que conversa louca! E que desfecho!