segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Natureza imperfeita


A natureza não é perfeita! Aqueles que me conhecem devem achar bizarro o fato de um Biólogo estar dizendo isso, mas é isso mesmo. Para começar, a perfeição é um saco! A idéia de perfeição vai de encontro com o fato da evolução. A palavra evolução na biologia quer dizer mudança, quando falamos em perfeição nos referimos a algo que não precisa ser mudado e os seres vivos estão em constante mudança. A teoria de Darwin possui duas premissas básicas. A primeira é o que Darwin chamou de “descendência com modificação”, significa que os seres vivos nascem com características diferentes de seus pais, hoje sabemos que as mutações são a principal fonte de tais diferenças. A segunda, conceito central de sua teoria, é a seleção natural em que os seres vivos com características que lhe tragam vantagens em um ambiente conseguem sobreviver e passar sua carga genética adiante.

Alguns podem argumentar: “mas os seres vivos apresentam adaptações que os tornam perfeitos para o que eles fazem, veja os grandes predadores”. A perfeição não permite erros e nem sempre um predador captura suas presas, que também possuem adaptações. Alguns animais apresentam adaptações bem interessantes, mas alguns podem descordar e chamá-las de bizarras. Os Cecidomiídeos são mosquitos bem pequenos que podem se desenvolver por dois caminhos, por seqüências normais de mudas de larva a pupa e no final emergir como um mosquito comum, sexualmente reprodutiva. Na outra forma de desenvolvimento as fêmeas podem fazer partenogênese (é quando a fêmea não precisa ser fecundada e tem seus filhotes a partir do desenvolvimento de seu óvulo), o interessante é que elas não chegam ao estágio adulto, se reproduzem no estágio de larva ou pulpa e não botam ovos. As crias se desenvolvem nos tecidos do corpo da mãe, basicamente a descendência devora a mãe de dentro para fora. Esse tipo de adaptação é diferente da que estamos acostumados onde os seres vivos vão passando por uma constante seleção de formas mais bem adaptadas ao meio ambiente até alcançarem a “forma perfeita”. Neste caso a adaptação pode estar relacionada a recursos (Como alimento) que podem ser raros no ambiente, mas muito abundantes quando encontrados. Essa é uma estratégia interessante em que o número de descendentes de uma população é aumentado ao máximo quando um recurso é encontrado, o que resulta na sobrevivência da população.

O exemplo anterior nos traz uma pergunta que derruba lógica de que os animais teriam sido projetados para seus papéis por um criador. Por que Deus criaria um ser vivo que comeria a sua própria mãe? A evolução consegue explicar a existência da vida em sua plenitude sem a interferência de um criador. Não estou dizendo que Deus não existe, como sabiamente diria uma professora minha: ”A ausência de evidência não é evidência de ausência”, a falta de evidências da existência de Deus não prova que ele não exista. O ponto é que a história da vida na terra pode ser muito bem explicada sem a participação de Deus. Um ponto que do argumento criacionista é o da ausência de registros fósseis de hominídios intermediários entre Homo habilis, Homo erectus e Homo sapiens, por exemplo. Explicam que Deus teria criado esses seres separadamente. A teoria Alopátrica revela uma explicação interessante, a especiação (evolução de uma espécie em outra) ocorre em populações pequenas e isoladas onde uma variação genética favorável pode espalhar-se mais rápido e a seleção natural pode ocorrer de forma mais intensa, por ser um local onde a população não está firmemente consolidada. Deste modo a especiação ocorreria rápido, quando pensamos no tempo geológico, e por isso seria muito difícil encontrar esses intermediários no registro fóssil.

A beleza da vida não está na “perfeição” e sim nas diferenças, base da biodiversidade. Os seres vivos são lindos, não no sentido tradicional da palavra. Nossa beleza está na diversidade de formas, adaptações, comportamentos. A vida deve ser adorada e respeitada por sua beleza imperfeita.


Referência
Gould, S.J. Darwin e os grandes enigmas da vida. 2ed. Martins fontes, Brasil, São Paulo. 1992.

2 comentários:

Pronome Indefinido disse...

Muito interessante, principalmente "a perfeição é um saco!". E de fato a palavra "perfeição" em seu sentido objetivo não caberia à natureza. Mas não posso ignorar que de uma forma bem abrangente a natureza é sim perfeita, o próprio evoluir das espécies confirma isso. Um predador precisa de sua presa assim como sua presa precisa de seu predador, eles incentivam a evolução um do outro, criando um equilíbrio, por isso digo que a natureza é perfeita não por conta das espécies individualmente, mas sim por conta do crescimento de todos, por causa do equilíbrio. E talvez essa seja a palavra mais correta, equilíbrio, o que de uma forma distante porém não ignorável tem uma relação fortíssima com a palavra perfeição.
Fonte: minha cabeça.

João Paulo disse...

Hahahahahaha. Muito bom! faz sentido...