sexta-feira, 26 de março de 2010

On the road


O velho está sentado no banco da praça abandonada às 3 da madrugada observando a chuva no horizonte que se aproxima. O vento frio já bate em seu rosto e ele se pergunta em que lugar irá dormir. Pega sua mochila velha, com mais remendos do que anos de idade, tira de dentro uma palha e um pouco de fumo, enrola o cigarro e o acende.


“É bom estar de volta, tantos anos sem ver a minha terra, hoje estou de volta e quem vem me saudar primeiro é a chuva, tão rara em certas épocas do ano! Sempre fiquei feliz ao ver a chuva e hoje não é diferente”.


Ao longe um grupo de cachorros passa, o pobre andarilho sempre valorizara a companhia de um bom cão, muitos o acompanharam durante suas caminhadas, muitos deles morreram ao seu lado, outros foram embora pela estrada da vida sem se despedir. Um novo amigo na sua antiga cidade viria a calhar. Começa a assoviar e logo todos os cachorros olharam para ele, alguns com esperança de ganhar algo para comer, uns poucos com desinteresse. Ele encara os olhos de cada cachorro, um por um vai baixando a cabeça num movimento de submissão, até que um vira-lata pequeno (um dos menores) e preto não vacila e devolve o encarar.


“É esse!”.


Durante um tempo, humano e cachorro mantém o olhar fixo, mas nunca com agressividade, os dois entendiam o que acontecia. Não era um jogo, não era uma disputa, era reconhecimento. Os outros cachorros foram indo embora, até que sobrou apenas o pequeno valente. Aí o andarilho tira de sua mochila um resto de marmita que havia ganhado por lavar o banheiro de um bar (acordo que ele costumava fazer sempre que a fome apertava, já lavara muitos banheiros imundos em sua vida...) e chama o cachorro para perto de si.


O animal, que não era nem um pouco burro, corre alegremente para receber a comida. O “vagabundo” divide a comida com o cachorro colocando um pouco no chão ao seu lado e deixando o resto dentro da quentinha para si. Os dois comem juntos selando aquela amizade. O velho sabia que agora o cachorro não sairia do seu lado por um bom tempo.


-Vou te chamar de Raul, companheiro! – O velho diz enquanto afaga a cabeça do cachorro.


Raul fora o nome de todos os seus cachorros durante sua eterna caminhada.


-Vamos procurar um abrigo, a chuva já está bem perto.


O andarilho levanta e Raul vai atrás, encontram um prédio onde ficam debaixo. Quando a chuva aperta pra valer o velho aproveita para tomar um banho. Tira suas roupas velhas, mas que estavam longe de serem trapos, ficando apenas de cueca. Pega dentro da mochila um sabonete e vai para chuva tomar seu banho. O cachorro fica olhando de baixo do prédio até que decide acompanhar seu novo amigo. O velho dá um banho no cachorro também, aproveitando o ânimo do animal para entrar na chuva. O cachorro aceita bem o banho.


-Somos andarilhos e não mendigos, certo Raul?! – e começa a cantar “Have you ever seen the rain”.

Um comentário:

João Paulo disse...

Muito bom texto velho. Curti muito a forma como se escolheram, o andarilho e o cão.